Embora exista por parte do regime de Angola a tentação, diríamos quase congénita, de preferir ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica, importa registar mais uma vez (e tantas quanto dor necessário) que o Folha 8 privilegia exclusivamente o poder das ideias e não as ideias de Poder. A diversidade de opiniões é (ou deveria ser) a seiva que alimenta qualquer sã democracia, qualquer pujante Estado de Direito.
Em cima da mesa, em termos não só políticos mas sobretudo sociais, está a questão da amnistia. Esclareçamos, se possível de uma vez por todas, que o Folha 8 não é, não está, nunca esteve contra a amnistia, entendida esta no âmbito jurídico e de equidade social.
Esta lei da amnistia, como infelizmente quase todas as que nos regem, a começar pela própria Constituição, foi feita à medida e por medida para, num período conturbado da nossa Justiça (lato sensu), remediar falhas graves e ocultar deficiências estruturais. Se analisada à lupa, ou nem tanto será preciso, verifica-se que em vez de ser uma solução para os problemas é, a médio prazo, um sério problema para a solução.
A própria sequência processual mostra que, mais do que uma lei ampla, participada, debatida e necessariamente melhorada, ela resultou da exclusiva vontade do Titular do Pode Executivo, passivamente aceite pela maioria parlamentar que suporta o governo e, como esperando, vendo na Oposição política – para já não falar nos ecos da sociedade civil – uma mera figura decorativa.
Infelizmente, vindo a lei (esta ou qualquer outra) do Titular do Poder Executivo, os deputados da maioria limitam-se a assinar de cruz, de olhos fechados, como se fossem (e muitas vezes são mesmo) meros autómatos. E isso, convenhamos, não é democracia. Para isso não era preciso existir a Assembleia Nacional. O MPLA aceita, passivamente, ser uma figura protocolar, corroborando tudo o que o seu Presidente, também Titular do Poder Executivo, determina. E não é isso que o país espera dele. E não é isso que muitos dos seus próprios militantes esperam. Mas é isso que acontece.
Como noutros tempos, os do partido único, nada preocupa os deputados do MPLA. Nem sequer olham para a mensagem. Limitam-se a ver quem é o mensageiro. E se o mensageiro é o Titular do Poder Executivo… assinam. Assinam sem ler, sem debater, sem argumentar, sem questionar sequer se o proponente tem legitimidade para o fazer.
Num manifesto exemplo de autoritarismo, os deputados do MPLA não são sérios e nem procuram parecer que o são. Estão-se nas tintas. É uma atitude que, aliás, não os dignifica e – inclusive – não dignifica o próprio Titular do Poder Executivo.
É claro que os deputados da maioria, pelo menos alguns, sabem que o Titular do Poder Executivo usurpou competências de forma acintosa para com o Parlamento. Eles próprios foram tratados pelo seu chefe como mentecaptos, incapazes de produzirem esta lei. Foi preciso ser o “paizinho”, mesmo aviltando a legalidade e os enormes poderes que tem, a produzir a lei.
Embora limitada nos seus poderes, a Oposição identificada com os povos eleitores e igualmente com o sentimento crescente da sociedade, UNITA, CASA-CE e PRS, questionou os métodos, o conteúdo, as repercussões visíveis e subjacentes da lei e a legitimidade sistémica do acto.
Também fica claro que a FNLA, que precisa dos votos dos membros da JMPLA, emprestados pelo MPLA, por altura das eleições, para serem boca de aluguer e uma espécie nativa de “maria vai com as outras”, secundou o partido do poder. Esse é, aliás, um papel histriónico que garante a sua sobrevivência. É, infelizmente, um caso visível de quem existe para se servir e não para servir.
A lei foi aprovada com todo este enquadramento que, diga-se mais uma vez, em nada prestigia a democracia e o Estado de Direito que Angola é… cada vez menos.
Assim, o MPLA e os seus escravos menores votaram sim, a amnistia, mas não o fizeram para satisfazer os anónimos cidadãos cujo infortúnio da vida os levou para as masmorras. Estes, é óbvio, sairão das cadeias mas continuarão a vaguear por aí e muitos regressão em breve.
Esta lei, milimetricamente elaborada para destinatários específicos, visou ilibar os gatunos do poder (ou ao seu serviço), os corruptos de colarinho branco, aqueles que têm as chaves dos cofres públicos e os delapidam para proveito próprio. Estes são os beneficiados. Para disfarçar este verdadeiros destinatários, a lei albergou outros que, decorativamente, servem para dar a imagem de que é uma lei abrangente, horizonta. Ledo engano.
Por muito que custe ao regime, fica claro que a lei visou branquear as actividades delituosas de gradas figuras do reino, filhos, filhas, dirigentes do partido no poder, toda uma banda corrupta que assim ganha novo fôlego para continuar a roubar e a defraudar o erário público.
Bem vistas as coisas, esta aprovação passiva, acéfala e eunuca por parte da bancada do MPLA, mostra à saciedade que os seus deputados não sequer merecedores do que recebem do erário público e que tanta falta faz ao Povo.
Os deputados da maioria, quais meretrizes ou gueixas, envergonham não só os seus eleitores como todos os angolanos. Veja-se que durante a legislatura, das 32 leis aprovadas, 31 foram propostas do Titular do Poder Executivo. Um feito, que deveriam envergonhar todos os bajuladores do MPLA pela sua incompetência, afinal, quem pensa, quem sabe tudo é um homem. Apenas um. Aquele que liga e desliga o botão que dá “vida” aos autómatos do MPLA.
A amnistia mostrou ser Fernando da Piedade Dias dos Santos Nandó, mero auxiliar (noutros tempos os colonizadores chamavam-lhes sipaios), que faz o papel de presidente da Assembleia mas que é um mero figurante na arena circense montada por José Eduardo dos Santos. De facto, tal como no tem do partido único, o verdadeiro Presidente da Assembleia Nacional, antes era a Assembleia do Povo, é José Eduardo dos Santos.
O chefe da bancada parlamentar Virgílio Fontes Pereira, como jurista, doutorado em Direito Administrativo foi igualmente uma vergonha ao considerar tratar-se de uma lei magnânima do Titular do Poder Executivo, que tem carácter bondoso e de reconciliação. E como se não bastasse esta servil posição, que ele sabe ser falsa, ainda teve o descaramento de criticar a Oposição por esta questionar não haver penalização contra os corruptos, os gatunos.
Esta paradigmática tese de Virgílio Fontes Pereira, para além de constituir uma peça do anedotário nacional, significa que ele está de acordo com quem delapida o erário público, e condena os que criticam a decisão de JES, mostrando que nestas coisas da manutenção de tachos, tanto faz dormir com a Maria José como com o José Maria.
Virgílio Fontes Pereira esqueceu-se que, por exemplo ao atirar pedras (em alguns casos foram mesmo pedregulhos) para os telhados alheios, deveria perguntar-se como custeou o convite que fez a todos os seus professores portugueses (passagens em classe executiva, hospedagem, alimentação e transportes) por ocasião do seu 50º aniversário.
Na verdade, Virgílio Fontes Pereira e o MPLA não estão preocupados com a subida do pão, mas sim com a manutenção impune dos roubos, nem questionam como desapareceu o dinheiro do Fundo Soberano, nem as razões dos dinheiros e riqueza absurdas dos membros do clã monárquico de José Eduardo dos Santos.